10 de outubro de 2013

Para onde caminha o surf?



Frequentemente tenho me perguntado para onde caminha o surf. Até muito pouco tempo atrás, nosso esporte era visto como uma atividade quase rebelde, muito mais associada aos hippies e à contracultura do que aos esportistas tradicionais. Só o que interessava era o quão bonito e bem você surfava uma onda e o quanto você se divertia com seus amigos. O bacana não era ser do mainstream, e sim fugir das obrigações, ir para a praia e entrar em sintonia com a natureza e com as ondas. O surf tinha uma alma alegre, leve, tranquila e com valores muito mais verdadeiros do que financeiros. Mas tudo isso está mudando. E bem rápido. 

Alguns ídolos do esporte hoje não são mais aqueles sujeitos alegres, brincalhões e descontraídos que passavam o tempo todo na praia atrás de ondas e de bons momentos. Os ídolos do esporte hoje (claro que não todos) são atletas competitivos, muitas vezes bastante egoístas e que surfam por pontos, fama e dinheiro. Chegam na praia com a cara fechada, fones de ouvido gigantes e cheios de adesivos grudados, como se fossem pilotos de fórmula 1. Claro que não está errado ganhar dinheiro com seu talento ou pra pegar onda. Muito pelo contrário. Esse sempre foi o sonho de qualquer surfista. O problema talvez seja a inversão de valores e a direção que a industria e o mercado estão dando ao esporte. Para pertencer ao grupinho fechado e exclusivo onde os atletas são bem pagos (leia-se ASP), os surfistas tem que se sujeitar às regras do mercado, da entidade e de juízes míopes, que consciente ou inconscientemente "protegem" os grandes (e valiosos) talentos do esporte. Posso estar errado quanto a isso, mas que parece, com certeza parece. 


EVENTOS

Nos eventos acontece o mesmo: as competições, antes grandes festivais da cultura surf, se transformaram em eventos longos, chatos e com entidades (associações e federações) recheadas de dirigentes gananciosos, muitas vezes despreparados e, infelizmente, com muita política envolvida. 

Se antes o objetivo era reunir todos na praia para festejar e apreciar a habilidade dos atletas, hoje o objetivo é reunir todos em uma praia famosa (mesmo sem ondas) para que as marcas possam vender sua imagem e produtos. Até quem é apaixonado pelo esporte acaba enchendo o saco desses eventos e as reclamações são bastante populares. Não é a toa que muitos atletas de talento reconhecido e respeitado, acabam abandonando as competições para fazer uma carreira muito mais feliz no freesurf.

Vocês podem me acusar de saudosista, de romântico, e posso mesmo estar sendo piegas e repetitivo, mas o surf aos poucos vai perdendo a sua alma. 

Uma antiga preocupação dos mais puristas, aos poucos vem se tornando real: o surf está se aproximando demais de alguns esportes já corrompidos. Os terríveis bolões de apostas (sim, eles também fazem parte do surf) podem criar ou favorecer a corrupção no esporte. Dependendo do valor do prêmio, um apostador pode ter a infeliz idéia de oferecer uma grana para comprar juízes, dirigentes, atletas, ou seja lá quem for. Não estou acusando e nem afirmando, mas nesse mundo atual, onde o dinheiro tem contado muito mais do que os principios e valores, isso poderia ser facilmente absorvido dentro de uma entidade ou circuito. Claro que isso seria um caso extremo, mas pode acabar assim. Na Austrália, por exemplo, essas apostas são bem populares como você pode ver nos links abaixo. E movimentam quantias bem razoáveis de dinheiro.

Talvez ter deixado o surf na mão dos australianos durante tantos anos, tenha sido ruim para o esporte. Faltou visão, planejamento estratégico e não tenho medo de errar ao afirmar que certos dirigentes, embora ídolos e apaixonados pelo esporte, não tinham a competência necessária para administrar e gerir todo um esporte. O "dream tour" de certa maneira virou uma festa particular, regada a bebidas, drogas e mulheres fáceis. Não existe uma entidade idônea que controle e administre o surf. Existe uma empresa privada que tem o direito de fazer o circuito mundial de surf, o que é bem diferente. 

Claro que não posso generalizar, tem muita gente boa e competente trabalhando, administrando e executando os eventos da Association of Surfing Professionals. Muita gente apaixonada e dedicada que trabalha duro para fazer o tour acontecer. E claro que nem tudo está perdido no surf, afinal as competições pouco tem a ver com o gostoso e divertido ato de pegar onda. Os competidores são uma parcela muito pequena da população de surfistas. Descer uma boa onda, desfrutar de ótimos momentos com os amigos, fugir de alguns compromissos chatos para passar o dia surfando continua sendo uma das melhores maneiras de acrescentar mais VIDA na sua vida. O esporte dos antigos reis polinésios continua nobre, mas quando longe das marcas e dos cartolas. 

Reclamar da ASP já é chover no molhado. Surfistas são agredidos por outros surfistas durante as baterias do circuito mundial e ninguém é punido, o julgamento dos eventos muitas vezes decepciona e muda de critério dependendo de quem está na água e a ASP, com muita frequencia, se fecha em sua concha e não dá nenhuma explicação para o público, que fica pasmo ao ver tantos erros e falhas. O descrédito da entidade hoje é imenso. Basta acessar o twitter ou o facebook e tirar as suas próprias conclusões. 

O Matt Warshaw, da Surfer Magazine até tentou justificar: “If the ASP had it totally together, and ran perfect contests, and we had nothing to bitch about, the fun would be cut in half” Talvez ele tenha razão. E talvez eventos mais justos dariam muito mais credibilidade do esporte. Ou você acha que alguma empresa, no cenário econômico atual, daria seus dólares nas mãos de amadores?

Com esperanças otimistas, torcemos que a partir do momento que a Zo Sea Media (entidade que comprou o World Circuit Tour e o circuito mundial de ondas grandes) assuma o circuito, isso mude. Se bem que já faz um ano que isso foi anunciado e tudo continua exatamente igual. 

Ainda tem aquele grupo de pessoas que acredita que o surf pode ir para as Olimpíadas, achando que essa seria a salvação ou a valorização do esporte. Será mesmo? A discussão é longa mas fica uma sensação de ilusão no ar. As regras do surf são subjetivas demais para as olimpíadas, o antidoping nunca existiu no meio do surf e em vez das ondas, quem determinaria como seria o nosso esporte talvez seriam as piscinas e os integrantes do Comitê Olímpico Internacional. Aparentemente essa é uma idéia que só é interessante para o mercado e para as pessoas interessadas no dinheiro que o surf pode render. A alma rebelde e livre do surfista aos poucos poderia ir morrendo e soldadinhos competidores poderiam tomar o lugar dos surfistas de alma. 

Mas "achismos" a parte, é latente que os eventos precisam de novos formatos, de mais organização, de julgamentos menos subjetivos, senão uma grande parte do público do surf vai continuar migrando para outros esportes radicais, que tem sido bem mais empolgantes de se assistir. De postura arrogante e de erros primários, estamos todos de barriga cheia.

MERCADO

As marcas que você consome patrocinam os surfistas brasileiros?
Reinvestem alguma coisa no esporte aí na sua região? Patrocina projetos e eventos e atletas? Se a resposta for não, você pode estar incentivando uma prática muito cruel nesse mercado: a das marcas sanguessugas.


Não é só no cenário competitivo que o surf anda mal. No mercado, a situação parece ainda mais crítica e caótica. Primeiro porque o mercado (e o esporte), de certa forma ainda é comandado pelas três grandes marcas (Quiksilver, Rip Curl e Billabong e suas sub-marcas), e duas delas, a Billabong e a Rip Curl, andam mal das pernas e a caminho de um futuro não muito promissor. Principalmente a Billabong, que recentemente conseguiu um financiamento para tentar pagar suas dívidas e ganhar um oxigênio extra, mas que continua surfando em uma prancha sem parafina e a qualquer hora pode escorregar e ir de encontro ao fundo. 

E não é só com as grandes marcas que isso vem acontecendo. Para todo lado que se olha, se tem essa impressão de que o surf está falindo.

- Etapas clássicas e importantes, como J-Bay, estão sendo trocadas por etapas em locais sem onda e com grande público, como a do Rio de Janeiro, por exemplo. As clássicas esquerdas da pequena Saquarema, que são muito melhores e mais constantes, nem pensar. Ou o evento fica colado no grande público, ou não acontece. 

 - As etapas Prime e Star aqui no Brasil estão desaparecendo. As marcas combinaram um discurso único: não temos dinheiro, ou o governo paga, ou a gente não faz o evento.

- O Circuito Brasileiro de Surf Profissional, antes um dos circuitos mais bem pagos do planeta, hoje está na favela e ninguém mais fala nele. A ganância de algumas pessoas acabou espantando a empresa que mais bem fez ao surf brasileiro nos últimos tempos, a Abril Eventos, que para não pagar o aumento absurdo exigido, pulou fora do circuito e abandonou o SuperSurf. As consequencias, todo mundo pode ver. E a culpa não foi da Abril.

- Os Campeonatos Amadores estão perdendo prestigio, os eventos da CBS perderam força e importância.

- Grandes ídolos do esporte, como Raoni Monteiro, Neco Padaratz, Silvana Lima, Jaqueline Silva  entre tantos outros, estão sem patrocínio. Mas surfistas da elite mundial, grandes ídolos do esporte, sem patrocínio? Me desculpem, mas isso não acontece em nenhum outro esporte e as marcas estão sendo sacanas em não patrocinar esses atletas. Quem convive perto desse mercado sabe bem que o dinheito gordo continua rolando. Só não está chegando nas mãos dos atletas, que são o real motor do esporte e do mercado. Essa é uma equação que não bate. Atletas da ELITE do esporte brasileiro e mundial estão sem patrocínio e pagam do proprio bolso as despesas para competir e  ainda lutam pela sobrevivência, quando deveriam ser reverenciados e muito bem pagos.


- Os eventos de surf profissional e os eventos só não sumiram definitivamente porque os governos estaduais e municipais, a muitos anos, são os maiores patrocinadores do surf. E suas cotas superam, e muito, a cota dos patrocinadores privados. As etapas do mundial em Santa Catarina vinham sendo assim e no Rio de Janeiro não é diferente. É a prefeitura e o governo do estado que salvam a etapa brasileira do tour, pois nenhuma grande empresa, nesses 3 anos de evento no Rio, se interessou no maior evento de surf realizado no Brasil. E para os mais esquecidos, o objetivo de tirar o evento de Santa Catarina seria justamente fechar grandes parcerias. Mas nada aconteceu até agora;

- As grandes empresas, que antes reclamavam que as marcas menores mas emergentes eram paraquedistas no esporte e que só sugavam o historia e a cultura do surf, hoje fazem exatamente o mesmo. Não patrocinam, não reinvestem no esporte e ficam malandramente esperando que o governo pague as contas dos grandes eventos para que elas, marcas, só entrem no final, colocando o nome no evento. Quando você vê uma etapa de nível mundial no Brasil, pode ter certeza: as cidades e governos pagam toda a conta enquanto as marcas entram com o nome, a identidade visual e ficam com todo o retorno de mídia que o evento gera. Como se diz popularmante, é a famosa Proposta Caracu, onde uma parte (o governo) entra com a cara e a outra metade, bem, deixa isso pra lá. O fato é que essas "grandes marcas" lucram e muito com o surf. E devolvem muito pouco ao esporte. Talvez seja por isso que muita gente vem deixando a surfwear de lado para vestir outras marcas e estilos de roupa.


- As únicas marcas que realmente investiram no esporte, patrocinando atletas, criando eventos diferentes, originais e muito mais bacanas, foram a Nike e a Hurley (e a Hurley é uma marca da Nike). Todos os outros eventos foram exatamente iguais, monótonos e cansativos. 

- O surf feminino foi praticamente abandonado pelas empresas. As mais "gatinhas" ainda conseguem apoio e aparecem em programas de TV, mas as atletas e competidoras que representam o país, estão na favela, tendo que bancar suas próprias despesas.


- As grandes feiras do setor estão acabando.

- Muitas marcas e surfshops hoje tem um discurso quase que ensaiado para não apoiar ou patrocinar: "estamos mais focados na street wear" e "estamos com nossa verba de marketing comprometida para esse ano".

- A surfwear, antes descolada e estilosa, hoje está vulgar. No desespero de vender mais, a grande maioria das marcas hoje coloca logotipos gigantes em toda e qualquer peça de roupa. A surfwear hoje é também incrivelmente cara e muitas vezes, produzidas em locais que exploram pessoas e crianças, como na China e em outros países asiáticos. Parece inclusive, que todo mundo copia todo mundo. 


- As grandes marcas do Brasil, que se projetaram e hoje faturam milhões graças ao surf, pararam de apoiar eventos e atletas e cortaram muitos patrocínios. Hoje são as marcas do nordeste que estão salvando o surf nacional.

E tudo isso está rolando, ironicamanente, na fase mais vencedora do surf brasileiro. Adriano de Souza se mantém entre os top 10 há 5 anos, Gabriel Medina e Felipe Toledo são ídolos mundiais, Raoni Monteiro, Miguel Pupo, Alejo Muniz e Heitor Alves são matadores de gigante e temos títulos mundiais amador, pro junior, mirim, longboard e de ondas grandes. O surf brasileiro nunca esteve tão em alta no cenário mundial e nossos surfistas nunca foram tão respeitados, conhecidos e admirados. Mas esse exposição não está rendendo lucros a industria e ao mercado? As empresas não estão sabendo explorar a oportunidade? Ou simplesmente estão apoiando menos a base do esporte? São perguntas que todo mundo se faz. E não há respostas.

O skate e o MMA cresceram muito no Brasil e ganharam muitos adeptos, enquanto o surf vem perdendo o interesse das marcas e das mídias. Sem falar que os grandes eventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas estão rapando os cofres públicos e não sobra nada para os outros esportes. Até 2016 todas as verbas já estão direcionadas e comprometidas. E nesse cenário, a desorganização e as migalhas do surf não interessam nem um pouco aos políticos de Brasília. A curto/médio prazo, as perspectivas não parecem muito boas.

Pra onde caminha o surf? Quais os caminhos para a evolução do esporte? Talvez você possa ajudar a responder.

Um comentário:

  1. Caro amigo,VC esta verdadeiramente CORRETO! Hoje em dia ouve uma TOTAL INVERSÃO DE VALORES,a VERDADEIRA ESSÊNCIA DO SURF foi deixada de lado. O que vale mesmo é só o quanto se vai ganhar,não que isso seja incorreto mas como VC mesmo disse: O SURF ESTÁ SE APROXIMANDO MUITO DA CORRUPÇÃO. SURF É ALMA e não só dinheiro!

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